TECNOLOGIA E STARTUP – ASSESSORIA JURÍDICA EM PROL DO DESENVOLVIMENTO

por Thiago Barelli Bet

Advogado, profissional que remete a muito formalismo e muitas vezes a padrões engessados de respostas, quase sempre negativas, sendo visto por muitos empresários como um gestor de riscos, ou, como popularmente somos chamados, um mal necessário.

No âmbito da tecnologia, somos vistos quase como um inimigo, um atraso no meio de tanta tecnologia e inovação, os engravatados que sempre dizem não.

Em relação às startups, a questão fica ainda pior, eis que a fase embrionária das empresas, aliada à falta de recursos, torna o acesso aos profissionais do direito ainda mais distante. As consequências disso são trágicas, sendo que a maioria das startups não ultrapassa o denominado vale da morte, correspondente ao período entre a abertura da startup e o alcance do ponto de equilíbrio (breakeven), mesmo com produtos viáveis e altamente escaláveis, muitas vezes por erros na operação.

A culpa é nossa, já que por diversos anos nos colocamos em um pedestal intelectual, fundamentados na nobreza de nossa profissão e no título de doutor que Dom Pedro I nos concedeu em 1827, muitas vezes não fazendo questão de entender as necessidades e os objetivos dos empresários, reservando-nos aos termos em latim e de difícil compreensão, o famoso juridiquês.

Somos domesticados a isso, detentores de livros gigantes e teses enormes, que pouco ou nada contribuem para a vida cotidiana, servindo apenas para inflar nosso ego e de nossos pares e apoiar telas de computadores.

Enquanto isso, nos afastamos da vida prática e esquecemos de nos colocar como legítimos prestadores de serviços, cuja compreensão das estratégias e necessidades do empresário é fundamental para uma completa assessoria jurídica.

Nesse sentido, lembro-me bem das aulas de mestrado na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, onde discutíamos por dias acerca de temas como a natureza jurídica do casamento, os deveres matrimoniais, dentre outros temas muito interessantes, mas pouco aplicáveis à vida cotidiana.

Enquanto isso, na mesma cidade de Lisboa, acontecia a primeira edição em Portugal de um evento que, posso dizer, abriu meus olhos e foi o primeiro fator de real mudança na minha vida profissional, o Web Summit.

Recordo-me de, com certa desconfiança, entrar nos pavilhões da FIL imaginando tratar-se de uma feira normal. Não poderia estar mais enganado, tudo respirava inovação e tecnologia: robôs transitando, luzes para todos os lados, shows tecnológicos. Aquilo tudo contrastando em minha mente com os bancos de carvalho e a arquitetura clássica da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

Naquela ocasião eu já era advogado há alguns anos e havia trabalhado em grandes e tradicionais escritórios, tendo sido coordenador de um deles, nunca tendo me dado conta do distanciamento que havia entre nós advogados, os clientes e a inovação. No mesmo dia conversei com o meu chefe e tentei implementar algumas mudanças no escritório, tendo sido todas vetadas, pois, mesmo sendo jovem, meu chefe entendia que a advocacia deveria manter o “respeito”, aqui considerado como sinônimo de formalismo.

Ocorre que, uma vez que mudamos nossa mentalidade, ou, como gostam os startupers, nosso mindset, não há volta, trata-se de um processo que entendo ser evolutivo e muito prazeroso, apesar de extremamente difícil.

A mudança do mindset me fez perceber que não me encaixava mais em escritórios tradicionais, o que me estimulou a abrir o meu próprio escritório, onde finalmente poderia implementar aquela filosofia de proximidade entre a lei, os empresários e a inovação.

Assisti uma vez em uma palestra, não me recordo quem ministrou, onde foi ressaltado que, quando você muda seu mindset, o universo se encarrega de lhe aproximar de pessoas que estão na mesma sintonia.

Foi o que ocorreu comigo, pois, quando retornei ao Brasil, um amigo dos tempos de faculdade me procurou, com ideias sinérgicas às minhas, propondo que abríssemos o nosso escritório.

Abrir o escritório foi difícil e prazeroso ao mesmo tempo, éramos jovens e com vários receios, dentre o principal não sermos levados a sério por conta da nossa idade, ainda que ambos já fossemos experientes na advocacia.

Em razão da insegurança, cometemos o erro que muitos jovens cometem ao abrir o seu próprio negócio, nos revestimos de formalismo e tentamos nos esconder pela máscara da formalidade, perdendo em nossa comunicação visual o que acredito ser um dos nossos principais diferenciais: a simplicidade e a comunicação direta com nossos clientes, os quais consideramos parceiros de negócios e amigos.

Criamos, por nossa vontade, um site estático e muito formal que de maneira nenhuma refletia a nossa atuação. Do mesmo modo, nos revestimos cada vez mais no papel do advogado padrão, com paletós bem alinhados e gravatas combinando.

Para nossa sorte, nossos parceiros de negócios não acreditaram na comunicação feita e conseguiram nos ver pelo que somos e não pelo que tentávamos passar, acreditando no nosso trabalho e, principalmente, tendo a absoluta consciência de que acreditávamos no deles. Como disse, uma vez que mudamos nosso mindset não há como voltar.

Aos poucos fomos ganhando confiança e mostrando a todos nossa verdadeira cara. Abrimos a nossa sede em Portugal, nos tornamos sócios de uma incubadora de Startups na Europa, desenvolvemos notoriedade e ampla experiência na aplicação do direito para startups e em projetos de desenvolvimento, incubação e aceleração de empresas, como o Portugal 2020.

Quando percebemos, estava em nosso cotidiano a elaboração de contratos de transferência de tecnologia, registros internacionais de marcas e software, acordos de acionistas, dentre outros. Contudo, ainda não estávamos nos posicionando cem por cento como parceiros dos clientes, continuávamos nos colocando fora do ecossistema.

O segundo fator real de mudança em minha vida profissional foi o evento denominado Universo TOTVS, onde tive o prazer de assistir uma palestra ministrada pelo Sr. Duncan Wardle, ex-VP de Inovação e Criatividade da The Walt Disney Company.

Foi uma palestra leve, divertida e fortemente instrutiva, onde de maneira simples o Sr. Duncan explicou questões relacionada aos processos de criação e inovação. Lembro-me de sair de lá com o esboço do que seria minha tese de mestrado e minha filosofia profissional, colocando-me não mais como um advogado, mas como alguém capaz de viabilizar sonhos.

Compreendi que todas as empresas advêm dos sonhos das pessoas e que nosso papel no ecossistema global, como operadores do direito, é facilitar a viabilização dos sonhos e não os interromper por meio de burocracias e normas impeditivas.

Aprendi a trocar o “não” pelo “sim e se” para buscar alternativas ao invés de problemas.

Percebi, de forma clara, a relação que deveria ter com cada empresário, conhecendo os problemas e objetivos e construindo em conjunto uma estratégia que seja viável para a empresa e ao mesmo tempo juridicamente aceita.

Relembrei que os riscos são inerentes à atividade empresária e nosso papel é mitigá-los ao máximo e informar o empresário acerca deles, sendo que, do contrário, corremos o risco de inviabilizar a própria atividade empresarial

Saí daquela palestra disposto a queimar todos os meus ternos e gravatas e transformar o escritório em um ambiente totalmente informal e inovador.

Por óbvio, cometi o mesmo erro anterior, tentei transformar a minha comunicação visual em algo que também não sou. Abusei do excesso de informalidade, a ponto de parecer irresponsável. Novamente tive sorte, nossos clientes nos conheciam bem e sabiam das nossas responsabilidades.

Esqueci o que havia assimilado sobre roupas e móveis não representarem quem somos, máxima também usada para a informalidade.

Isso me trouxe a uma nova evolução, entendi que não importa se vamos usar ternos ou roupas coloridas, mesas de carvalho ou puffs, tratam-se apenas de estereótipos, muitas vezes utilizados para tentar transmitir uma falsa impressão.

Do mesmo modo que ternos e gravatas não nos tornam importantes, puffs e roupas coloridas também não nos tornam, por si só, mais modernos e tecnológicos. O importante não é o ter, e sim o ser!

Hoje, de terno ou camisa colorida, consigo entender e compartilhar os planos e sonhos das empresas de tecnologia e dos startupers, apoiando-os em todas as etapas, desde o desenvolvimento do MVP até o IPO.

Nesse caminho, já presenciei o fechamento de diversas empresas inovadoras e com produtos fantásticos, mas que achavam que seria desnecessária a contratação de um advogado e que o ideal seria investir o dinheiro apenas em programadores. Empresas que se diziam totalmente revolucionárias mas que, de tão estáticas, se recusavam a adaptar seu negócio à realidade de diferentes países.

Do mesmo modo, vi muitos advogados tentando passar confiança e modernidade somente por meio de calças jeans, alls stars, termos em inglês e discursos sobre a advocacia 4.0, mas que não têm a confiança necessária para indicar outro caminho para a empresa ou quando é a hora de pivotar.

Advogar no ramo de tecnologia, principalmente para startups, é algo complexo e exige o perfeito equilíbrio entre o novo e o tradicional, é entender que nem tudo precisa  ser mudado, podendo ser aplicadas práticas já existentes para a solução de problemas novos.

É necessário compreender a mentalidade dos empresários e com isso fazê-los perceber que nem tudo é burocracia, sendo imprescindível demonstrar: (i) a importância da constituição regular da sociedade; (ii) a necessidade de elaboração de contratos de ajuste entre os sócios e/ou investidores; (iii) a necessidade de proteção da propriedade intelectual; (iv) a necessidade de resguardar o direito dos funcionários; (v) a necessidade de definir regras de governança que não inviabilizem o negócio em caso de briga entre os sócios, dentre outras coisas.

Cada vez mais há o entendimento pelos empresários da necessidade das empresas contribuírem para algo maior, não se limitando apenas ao lucro, mas também à melhoria da qualidade de vida da população, seja por meio de uma nova opção de transporte de passageiros, que permita que qualquer pessoa seja autônoma, ou ainda por meio de um shopping virtual, que possibilite que os pequenos lojistas vendam seus produtos para todo o país e/ou mundo.

Seria uma pena que ideias maravilhosas como essas se perdessem por brigas internas ou falta de estrutura adequada, sendo nosso papel, como advogados inseridos nesse ecossistema, orientar adequadamente as empresas e buscar uma interlocução saudável com os entes públicos.

No âmbito profissional, seja no Brasil ou na Europa, cada vez mais temos buscado uma interlocução e assessoria às incubadoras e aceleradoras, de modo a demonstrar que não bastam investidores, aulas de coach e/ou pitchs. Se o negócio não for estruturado adequadamente, as chances de falhar são muito grandes, sendo imprescindível uma assessoria jurídica especializada.

No escritório, seguimos com mesas de carvalho e puffs, alguns dias de paletó e outros de camisas coloridas, livres de estigmas, preconceitos e estereótipos, buscando diariamente fazer aquilo que nos propomos, que é viabilizar sonhos e com isso contribuir para a mudança do mundo!